martes, 31 de enero de 2012

Informe Final – Trabalho Infantil Doméstico: uma exploração invisível

Red Latinoamericana contra TI

Informe Final – Trabalho Infantil Doméstico: uma exploração invisível

Principais conclusões sobre a moderação

Maria de Fátima Alberto[1]
Problema
Por que o trabalho infantil doméstico é considerado uma forma de exploração infanto-juvenil ‘invisível’ ou oculta?
O trabalho infantil doméstico é uma atividade de trabalho que se torna invisível devido a vários aspectos, dentre os quais destacaria:
a) A cultura de naturalização do trabalho infantil: há na sociedade brasileira uma longa história do uso da força da mão de obra infantil, que data desde a vinda das primeiras caravelas portuguesas para o Brasil e que se propagou ao longo dos tempos, movido por vários interesses ideológicos e econômicos;
b) A cultura de naturalização do trabalho doméstico como próprio ao feminino e que tem sido responsável pelo uso da mão de obra de meninas;
c) O lócus onde ele se dá: no espaço do privado do lar o que dificulta a fiscalização e ações de cunho educativo;
d) Não é reconhecido socialmente, pelo fato da forma de aprendizagem se dá no cotidiano, numa passagem de pais para filhos sem uma formação prévia via escolaridade ou coisa do gênero;
e) Não há uma clara definição do que se trata, de modo que se confundem práticas de socialização, de ajuda e de exploração como se ambas se tratassem d a mesma coisa.
Esses vários aspectos foram apontados na discussão na Rede Latino Americana Contra o Trabalho Infantil e apontaram a necessidade de esclarecer o que é Trabalho Doméstico, apontar as diferenças quanto ao que é o trabalho explorador e o que trabalho de socialização e de participação nas famílias.
Causas
O trabalho infantil doméstico é consequência direta do ciclo de pobreza familiar ou da naturalização cultural do trabalho doméstico enquanto forma não exploratória de TI?
Qual o papel do gênero no TI doméstico enquanto fenômeno social?
A história da exploração de crianças e adolescentes através do trabalho, tanto no Brasil como no mundo data de longo tempo. Desde o desenvolvimento náutico português, a presença de crianças e adolescentes trabalhadores nos navios ganhou grandes proporções. Todavia há que se ressaltar que desde aquela época até a contemporaneidade acentuou-se o uso da mão de obra de crianças e adolescentes pobres. A prática de se explorar a mão de obra infantil encontrou na maioria das vezes respaldo nas ações do Estado brasileiro. Um desses exemplos é a formação para o trabalho voltada para os adolescentes das classes populares. Prática presente até o início do século XX, norteada pelo objetivo de “diminuir a criminalidade” foi desenvolvida através de várias propostas e políticas de formação, entre elas: Rodas de Expostos; Casas de Educandos e Artífices; Institutos, escolas profissionais, patronatos agrícolas, reformatórios Escolas de Aprendizes Artífices.
A literatura sobre trabalho infantil doméstico revela que este tipo de atividade está intimamente ligado às discriminações de gênero, de classe social e de pobreza. O trabalho infantil doméstico, da mesma forma que o trabalho doméstico em geral, é uma atividade perpassada pela questão de gênero em que as pessoas do sexo feminino preponderam em seu desempenho, em relação às pessoas do sexo masculino. Neste sentido o papel do gênero se configura como uma forma de fazer preponderar relações de poder do masculino sobre o feminino e de manutenção de formas de socialização do feminino atrelado ao contexto da casa. Funcionando na manutenção dos papéis de gênero e do feminino numa posição de inferioridade, sem possibilidades de desenvolvimento e de mudanças sociais.
Outro aspecto que há de se destacar é o caráter étnico racial. No princípio da formação da sociedade brasileira, a ocupação nos serviços domésticos foi eminentemente uma atividade reservada às escravas negras, que, após a abolição da escravatura, permaneceram nesses serviços, uma vez que se constituía no único espaço social em que as mesmas conseguiam alguma ocupação. Essa característica do trabalho doméstico, como atividade socialmente destinada principalmente a negros, pardos, mulatos e morenos perdura até hoje. Essa herança histórica fez com que, mesmo após o fim da escravidão, as atividades que exigissem menor qualificação sempre fossem reservadas às pessoas negras e os seus descendentes ou a pessoas brancas pobres. A esses fatores somam-se: as condições sociais, pobreza, classe social, gênero e étnico racial, que configuram outra dimensão que é o da reprodução intergeracional.
Consequências
Quais as principais consequências do TI doméstico para infância e adolescência trabalhadora, em termos socioeconômicos, culturais e cognitivos?
Ele acentua a hierarquia de gênero masculino X feminino?
A inserção precoce no trabalho é danosa para crianças e adolescentes. A inter-relação das condições de trabalho com a organização do trabalho tem implicações para a saúde física e mental. A inserção precoce é nefasta na vida dessas crianças e adolescentes, cujas implicações psicossociais aparecerão nos seguintes aspectos: uma imagem negativa de si e uma baixa auto-estima, a adultização precoce, a defasagem escolar, socialização desviante e a falta de perspectivas de futuro. O trabalho infantil doméstico tem várias conseqüências para as crianças e adolescentes que desempenham essas atividades: tem implicações na construção da identidade social, no processo de escolarização, na construção das perspectivas de futuro e é, principalmente, uma violação de direitos humanos. O trabalho infantil doméstico, em particular pela humilhação, pela baixa auto estima e pela descaracterização como trabalhado, poderá promover o embotamento afetivo.
Há no trabalho infantil doméstico uma série de riscos: físicos, químicos, biológicos, de acidentes, ergonômicos, psicológicos e sociais. A execução de atividades que exigem muito tempo e esforço físico dessas crianças e adolescentes, além de prejuízos no processo de escolarização e no direito ao lazer, pode causar riscos de problemas em seu desenvolvimento corporal, uma vez que se encontram em condição peculiar de desenvolvimento, conforme define o Estatuto da Criança e do Adolescente. Ou seja, não estão preparados fisicamente para a execução de tantas atividades e de forma tão repetitiva. Entretanto o aspecto que mais se fez presente no debate na Rede Latino Americana Contra o Trabalho Infantil foi o da escolaridade, das conseqüências no sentido do déficit de escolaridade, da defasagem, da repetência escolar. A defasagem escolar é algo recorrente entre as crianças e adolescentes que exercem o trabalho doméstico, indicando que outros fatores, relacionados com a estrutura escolar, falta de outros equipamentos institucionais, renda familiar e outros também podem contribuir para os índices de defasagem. Destacaram-se ainda a importância das políticas públicas, com a oferta de equipamentos institucionais, responsáveis inclusive, segundo alguns, pela diminuição da criminalidade e da violência.
Enfrentamento
Por tratar-se de uma forma de exploração infanto-juvenil ‘invisibilizada’, o enfrentamento do TI doméstico é menos sensível aos programas e políticas públicas?
Quais os atores mais importantes que devem participar de seu ciclo de erradicação? (poder público, sociedade civil organizada, comunidades, academia...)
Por se tratar de uma forma invisível de trabalho infantil, sem dúvida o alcance do combate e da erradicação é mais difícil. Todavia vários aspectos se sobressaíram ao se apontar às possibilidades de enfrentamento e dos Atores Sociais que devem participar do processo: 
Dentre as políticas apontaram-se as políticas educacionais, e o trabalho com a escola, que dada a proximidade privilegiada com as crianças e os adolescentes pode ser uma grande aliada. Um dessas formas seria o trabalho educativo nas escolas e nos espaços de formação de profissionais e professores.
Outra política diz respeito ao retiro do trabalho e de inserção na escola e de geração de renda com as famílias.
Outra política abordada foi o da ação em Rede. Redes que incorporem um conjunto de instituições, cada uma ofereça sua parcela de contribuição e cada ação contemple também o conjunto de sujeitos envolvidos. Ou seja, as ações precisam agir diretamente sobre a criança, o adolescente, o jovem, a família, a escola e a sociedade.
Para combater o trabalho infantil mister se faz o controle por parte da sociedade da efetivação dos direitos e de ações sistemáticas que informem e mobilizem a sociedade. Para tal há um papel importante dos fóruns de instituições, da mídia e das universidades para formar profissionais que no âmbito do Estado desenvolvam ações dessa monta.
Outras ações dizem respeito às articulações, as parcerias e aos intercâmbios, inclusive entre países e culturas.
Também se faz importante a adoção de legislações que disponham de Leis e Políticas de Garantia dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes.
Dilemas e perguntas não respondidas
O que temos para fazer e que ainda não fizemos?
Algumas das questões que se fizeram presentes ao longo da discussão foram aspectos de definição, trabalhar as dimensões culturais, principalmente com a sociedade e com o empoderamento das crianças e adolescentes através de atividades educacionais nas escolas. Primeiro se faz necessário garantir escolas para todas as crianças e adolescentes, garantir a matrícula e a freqüência escolar delas, em seguida possibilitar que conheçam seus direitos, que se sintam verdadeira e concretamente exercendo esses direitos. O que requer preparar vários profissionais, educadores e agentes sociais que possam em variados níveis garantir esses direitos e efetivá-los junto com as crianças. Muitas das políticas colocadas em execução não têm as crianças e adolescentes como participantes.
Outras reflexões:
O trabalho doméstico não tem finalidade lucrativa ao patrão e, portanto, desprende sua execução do “ambiente social de trabalho” para o “ambiente privado familiar”.
Quais as principais consequências dessa dissociação para a vida da infância e adolescência trabalhadora?
Um desses aspectos é a invisibilidade, já abordada, outra é a confusão entre o trabalho explorador e o trabalho socializador, como parte do processo de desenvolvimento e inserção da criança na família.
TEXTO DE CONCLUSÃO
A discussão através da Rede Latino Americana Contra o Trabalho Infantil revelou que o trabalho infantil doméstico se faz presente em diversos países e cultura, mas apresenta-se de modo mais significativo naqueles países onde há um acirramento das forças produtivas e que geram consequentemente processos de exclusão social. Assim, juntam-se fatores culturais e econômicos. No interior desses aglutinam-se ainda fatores de gênero e étnico raciais, como é o caso particular do Brasil, onde se sobressai a presença de meninas negras, pardas ou morenas.
O trabalho infantil doméstico tem sérias consequências no desenvolvimento dessas crianças e adolescentes, tais como problemas nutricionais, problemas de postura, baixa auto-estima, imagem negativa de si, adultização precoce, falta de perspectivas de futuro, socialização desviante, baixo nível de escolarização e analfabetismo juvenil.
As principais preocupações que guiaram as discussões disseram respeito à cultura de naturalização, as causas, as políticas públicas de combate, sobressaindo-se as articulações e parcerias, principalmente via Redes que reúnam governo e sociedade civil. Neste sentido abordaram-se as políticas de retiro, educacionais e de geração de renda com as famílias como forma de enfrentamento. Mas também se abordou o papel das Universidades através das pesquisas na identificação do problema e reflexões sobre ações de combate, contribuindo inclusive com a formação de pessoal.
Dentre as ações em Rede, das parcerias e das políticas sociais o trabalho de empoderamento de crianças e adolescentes, através de ações educativas, foi à tendência e o aspecto inovador para tratar o tema. Mas ainda se fez referência à parceria com a mídia como forma de combater a questão.

[1] Graduada em Psicologia, mestre em Serviço Social e doutora em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco. Atualmente professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência em Psicologia Social, Subjetividade e Trabalho, e atua principalmente nas temáticas dos direitos da criança e do adolescente, direitos humanos, trabalho infantil e violência sexual. Além disso, é integrante do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil do Estado da Paraíba (FEPETI).
http://pt.redcontraeltrabajoinfantil.com/activities/13491
 

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